Os esquemas em pessoas LGBTQIA+
Os esquemas em pessoas LGBTQIA+
Como se desenvolvem os Esquemas Iniciais Desadaptativos?
Podemos entender esquemas como as unidades da personalidade, visto que eles são processos automáticos utilizados para o processamento cognitivo e emocional das pessoas. Eles seriam como um roteiros, que dizem o que devemos sentir e pensar quando nos deparamos com certos estímulos. Eles são compostos por pensamentos, emoções e memórias, além de serem construídos a partir das características inatas da pessoa (temperamento).
Em uma pessoa saudável, os esquemas são flexíveis, ou seja, existe uma capacidade cognitiva maior de perceber estes automatismos e, quando necessário, é possível abandonar estes processos automáticos e se adaptar as situações ambientais as quais a pessoa se coloca. Porém, em alguns casos, os esquemas são muito cristalizados e inflexíveis, fazendo com que a pessoa funcione da mesma maneira que ocorria no passado, mesmo que a situação seja diferente. Normalmente estes esquemas disfuncionais surgem no início da vida a partir da incapacidade do ambiente de satisfazer as necessidades emocionais básicas da pessoa e, a partir disso, são criadas estratégias para lidar com esta insatisfação que, ao serem reforçadas pelo ambiente, acabam se tornando inflexíveis e afetam a construção da própria personalidade e do processamento cognitivo e emocional, desenvolvendo assim o que chamamos de Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs).
Modo Adulto Saudável VS Modo Vozes Internalizadas Disfuncionais
Para conseguirmos entender como os EIDs surgem em pacientes que fazem parte da população LGBTQIA+ é importante lembrarmos das origens das instâncias “adultas” da Terapia de Esquemas. Sabemos que o adulto saudável é o modo que consegue, ao mesmo tempo, perceber as necessidades emocionais básicas da pessoa e as demandas e circunstâncias ambientais a qual a pessoa está submetida e, a partir desta percepção, encontrar a melhor forma de dar conta de ambas as situações. Podemos dizer que o modo adulto saudável é um mediador entre as necessidades, os modos infantis e o mundo externo.
O modo adulto saudável surge a partir do investimento que os adultos significativos fazem na criança. Quando ela é cuidada e valorizada, tendo suas necessidades básicas atendidas, ela introjetará a segurança, a valorização e a forma como pode buscar a satisfação de suas necessidades.
Por sua vez, os Modos Vozes Internalizadas Disfuncionais (hiper demandante e Crítica/Punitiva) surgem a partir do momento que as necessidades não são atendidas e estes mesmos adultos significativos utilizam de ações ou discursos que diminuam, desrespeitem ou invalidem a criança. O discurso e as atitudes vivenciadas acabam sendo introjetados pela criança, que repetirá estas falas invalidadoras, punitivas ou hiper demandantes para si mesmo, dificultando a satisfação das necessidades emocionais básicas e perpetuando os EIDs.
Pode-se dizer que dentro do funcionamento interno de nossos pacientes ocorre um cabo de guerra entre o modo adulto saudável (que busca proteger os modos crianças e, principalmente, busca atender as necessidades do modo criança vulnerável) e os modos vozes disfuncionais internalizadas (que busca reforçar as memorias de invalidação das necessidades básicas, mantendo o funcionamento esquemático). Em pacientes que possuíram vivências infantis mais saudáveis, o adulto saudável terá a capacidade de manter a pessoa mais flexível as situações do dia a dia e, consequentemente, terá um funcionamento mais saudável na vida adulta; por sua vez, pacientes que tiverem vivências infantis mais invalidadoras poderão ter modos disfuncionais mais ativados e, assim, terão maiores chances de terem EIDs menos flexíveis e, consequentemente, acabaram utilizando estratégias disfuncionais para lidar com as ativações esquemáticas.
Cultura como um alimentador dos modos vozes internalizadas disfuncionais e dos EIDs
É importante ter claro que vivemos em uma cultura heteronormativa que diz que qualquer sexualidade que foge do padrão é vista como “inadequada” ou “errada”. Isso é demonstrado desde a pouca representatividade de casais não heterossexuais na mídia ao preconceito explicito a pessoas que não seguem esta sexualidade. E esta realidade acaba sendo mais evidente quando falamos de contextos nos quais preceitos religiosos ou questões mais culturais presentes de forma intensa (como, por exemplo, a cultura tradicionalista gaúcha).
Dentro deste contexto, é importante observar que a percepção da sexualidade não heteronormativa é percebida normalmente cedo na vida. Crianças entre seis e dez anos já começam a identificar sua sexualidade e, ao perceber que não se encaixam nos padrões estabelecidos pela sociedade terão seus modos vozes internalizadas disfuncionais alimentados pelo discurso preconceituoso que diz que eles são “promíscuos”, “pecaminosos”, “sujos”, “doentes” ou “errados” por serem como são e amarem quem amam.
Isso impactará diretamente na formação da autoimagem e na percepção de mundo destas pessoas, desenvolvendo assim sentimentos de não compreensão e não aceitação pelos demais (esquema de privação emocional); percepção de si mesmo como errado e defeituoso (esquema de defectividade); e a percepção de ser diferente e de não se encaixar nos grupos sociais (esquema de isolamento social/alienação).
Um conceito que busca tentar explicar os fatores de risco únicos a população LGBTQIA+ é a teoria do Estresse de Minoria. Ela tenta identificar porque esta população tende a ter níveis mais baixos de saúde mental, maiores níveis de estresse e depressão e um risco elevado de tentativas de suicídio. De acordo com a teoria, pessoas pertencentes a minorias sociais são expostas a estressores específicos, como o preconceito, a exclusão social e até a violências físicas, aumentando assim seus níveis de estresse. É importante entender que esta teoria não diz que pessoas heterossexuais não passam por estressores. Pelo contrário, os fatores estressores da população geral são levados em conta, porém, populações que fazem partes de minorias sexuais necessitam lidar com os estressores da população geral (busca de emprego, contas, educação, violência urbana), mas também
são vítimas dos estressores específicos vivenciados apenas por elas (como o medo de ser rejeitado por ser homossexual, o medo de sofrer violência caso demonstre afeto na rua, etc.).
A Teoria do Estresse de Minoria pressupõe três tipos de estressores: 1) Vivências de vitimização, que são caracterizadas pelo preconceito, rejeição, violência e agressão relacionadas à orientação sexual; 2) a homofobia internalizada, que está relacionada a pensamentos e crenças aversivas de uma pessoa LGBTQIA+ sobre si mesmo e sua própria sexualidade); e 3) ocultação da orientação sexual, que ocorre quando a pessoa LGBTQIA+ esconde sua identidade e orientação sexual não-heteronormatva de si e/ou de outros. Além disso, o estresse de minoria também pode ser entendido a partir da forma como este estresse é vivenciado, podendo ser visto a partir de: 1) estresse percebido, 2) Homofobia internalizada e 3) antecipação de vivências de preconceito.
Como a Terapia de Esquemas pode ajudar a população LGBTQIA+
A partir do que foi exposto anteriormente, é possível entender que muitos dos pacientes LGBTQIA+ que buscam atendimento o fazem por consequência do citado acima. Sabemos que a ativação esquemática sempre será algo doloroso e, para lidar com isso, muitas pessoas irão usar estratégias disfuncionais para tanto. Dentro da população LGBTQIA+ é possível perceber diversas destas respostas, como por exemplo: a negação da própria sexualidade (inclusive muitas vezes sendo agressivo com pessoas que conseguem expressar a sexualidade de forma saudável), o cuidado em excesso de outras pessoas como forma de busca de amor e valor, a necessidade de trabalhar mais do que outras pessoas e precisar ser sempre o melhor, a percepção de si mesmo como sem valor ou não merecedor de amor, entre outros.
Nesta perspectiva o trabalho do terapeuta será o de conseguir ajudar o paciente a fortalecer o seu adulto saudável de forma a lidar com as vozes internalizadas disfuncionais, buscar a satisfação das próprias necessidades emocionais e poder ter uma vivência saudável de sua sexualidade. Para tanto, iremos utilizar as ferramentas da terapia de esquemas como forma de, num primeiro momento, reparentalizar o paciente, podendo ressignificar situações que originaram os EIDs e, aos poucos, sermos um
modelo de “pais cuidadores”, podendo modelar o adulto saudável do paciente a partir da validação dos sentimentos que oferecemos ao paciente. Para tanto, podemos utilizar as seguintes técnicas da Terapia de Esquemas:
a) Técnicas de imagens mentais
b) Técnicas de diálogo dos modos
c) Carta aos pais (ou até mesmo a sociedade que o oprime)
Sempre importante lembrar que, quando atendemos uma população especifica, é importante avaliarmos nosso conhecimento do contexto o qual esta população vivencia e sua cultura. Pesquisar sobre temas relevantes a população, o funcionamento das relações (inclusive dos apps de namoro) e até mesmo literatura e entretenimento pode ajudar em muito o terapeuta a entender um pouco melhor o mundo do paciente que esta atendendo. Mas é sempre importante lembrar: no fim, será o nosso interesse genuíno no que o paciente traz e no seu bem estar que será crucial para um trabalho eficaz.
Referencias:
Cardoso, B. L. A., Paim, K., Catelan, R. F., & Liebross, E. H. (2022). Minority stress and the inner critic/oppressive sociocultural schema mode among sexual and gender minorities. Current Psychology, 1-9.
Meyer, I. H., & Frost, D. M. (2013). Minority stress and the health of sexual minorities.
Wainer, R., Paim, K., Erdos, R., Erdos, R., & Andriola, R. (2015). Terapia cognitiva focada em esquemas. Artmed Editora.
Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2009). Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Artmed Editora.
Sobre o Autor
Anderson Pereira sempre foi um apaixonado por histórias e encontrou na psicologia uma forma de ajudar pessoas a partir delas. É psicologo e doutor em psicologia, além de instrutor de mindfulness e escritor. Atualmente trabalha como Psicologo Clínico, Supervisor e Professor em Diversos cursos de especialização pelo país.